Causos de RPG parte 1 – Xena, a amazona faxineira

Era uma vez um veraneio lá pelos idos de mil novecentos e muitos, quando esta que vos fala contava com 13 anos. Estava passando as férias de verão na casa de meu pai, em um balneário do litoral norte do Rio Grande do Sul.
Naquela época, roliça e pálida como uma larva de mosca, a última coisa que desejava na vida era expor a minha pança albina em um biquíni no meio de um turbilhão de gente e guarda-sóis, sapateando sobre tatuíras furiosas.

"Vai uma prainha aí?"
“Vai uma prainha aí?”

Não é que eu não gostasse de praia. Eu gostava sim, mas após as 17 horas quando o sol não era mais tão intenso e eu mergulhar tranqüila na água gelada, caminhar na beira do mar para catar moluscos interessantes e coisas afins (sempre muito bem protegida por alguma camiseta preta de banda até os joelhos).

"Nah....valeu."
“Nah….valeu.”

Acordar cedo? Nem pensar! Eu ficava lendo até às 4 horas da matina, como ia acordar cedo? Eu tinha boa música, bons livros, HQ’s, comida e jogos no PC. Para que diabos eu ia querer ir à praia?
Meu pai não sabia o que fazer comigo.
Eis que aparecem meus amigos. Sim, as criaturas responsáveis por eu ter começado a jogar RPG nas férias de inverno do ano anterior.
– Daê Ju, a gente vai começar a jogar uma nova campanha semana que vem, ta a fim de participar?

"Elementar, meu caro Watson."
“Elementar, meu caro Watson.”

Certo. Era a atividade que faltava para as férias ideais da nerd adolescente.

Só que meu pai não entendia isso. Ele queria uma filha saudável e bronzeada que acordasse cedo nas férias e respirasse o ar puro da manhã (ah, e que andasse com meninas também).

Daí começou o meu inferno. Ele vivia implicando comigo quando eu ia jogar, porque eu passava as tardes inteiras fora e com um bando de guris. Até que ele descobriu uma maneira bem simples de resolver o problema.
– Tá, tu pode ir jogar, mas a tua prima vai junto.
E assim começou uma das aventuras mais insólitas das quais participei.

Acontece que minha prima, como boa adolescente de 15 anos default, não tinha muita sacada para essas coisas, desse tal RPG (embora miraculosamente eu tenha conseguido convencê-la a assistir Cavaleiros do Zodíaco quando éramos pequenas, e ela amou. Tinha até bonequinhos). Então os guris começaram a pacientemente explicar para ela a dinâmica do jogo e o que ela deveria fazer (claro que eles deviam estar felicíssimos de ter uma moça senso stricto jogando….digo, alguém com um mínimo de vaidade e senso estético, que andasse de saias e passasse esmalte nas unhas).
– Então que tipo de personagem tu quer fazer?

– Como assim?
– É. Tu pode ser uma guerreira, uma clériga, uma maga…
– Ah, eu quero ser guerreira!
– Então ta. E qual vai ser teu nome.
Ela parou. E pensou…pensou….pensou…pensou. Não vinha nada. Todos estão apreensivos na mesa quando ela fala, confiante:
-Já sei! Xena!

É, seu Jean Luc, cada coisa que se vê nessa vida...
É, seu Jean Luc, cada coisa que se vê nessa vida…

Desnecessário dizer que o riso foi geral. Inclusive dela. Ninguém estava esperando por isso. A verdade é que ao longo das aventuras que jogamos, minha prima saiu-se muito bem. Agradeço até hoje por ela, mesmo não apreciando tanto a arte de jogar RPG (mais detalhes em outro post), ter despendido parte de seu tempo para que eu pudesse jogar, sem proibições de meu pai. Mas a parte em que ela tinha mais dificuldade era o roleplay.

– Na aventura anterior , vocês conseguiram salvar a cidade e graças à isso, ganharam casas para se estabelecerem por lá – Explica o mestre – É uma manhã calma e vocês estão em casa. O que estão fazendo?

– Estou polindo meu armamento e vou orar para minha Deusa – responde o paladino.
– Estou despertando em um galho em cima duma árvore, próxima da minha casa. Sabe como é, nunca me dei bem com casas. – respondo eu, que interpretava uma ranger que tinha fugido da família aos nove anos.
– E tu, Xena, que está fazendo

– Eu….eu….eu to limpando a casa!

– Quê??? – a mesa em uníssono.
– É gente, não dá pra viver só assim, tem que dar uma ajeitada na casa de vez em quando.

E assim nasceu a história de Xena, a amazona faxineira.

Masah, hein? Chegada numa limpeza...
Masah, hein? Chegada numa limpeza…